Óh, Minas Gerais, quem te conhece não te esquece jamais...
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Não esqueci. Mas eu não me lembrava. A questão era: o que aconteceu? Minha memória remontava a apenas aquele corpanzil de 20 anos roçando em mim e sua cabeça de longos, lisos, macios e cheirosos cabelos negros encostada no meu ombro enquanto olhávamos para cima. Ambos alegres da vodca, mas extremamente cansados - ela da rave; eu da viagem pela estrada. Nisso, o álcool te manda aquela mensagem "vá dormir e arque com as conseqüências ao acordar".
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Acordei primeiro sentindo a dor de cabeça da vodca vagabunda. Onde já se viu. O esquenta tem que ser feito com bebida de qualidade, para se estragar na festa. De qualquer forma, tenho 27, e não mais 20. Não tenho mais fígado para agüentar litros de Starka na minha corrente sangüínea. A ressaca é bem mais severa quando se passa dos 25. Ainda mais no ritmo que eu levava. Sempre fui certinho, mas quando era pra fazer coisa errada, orgulho-me de fazer bem feito. Tinha ressacas homéricas, mas acordava cheio de energia; e às vezes ia trabalhar assim. Meu lema era "plantão sem ressaca não é plantão". Mas essa ressaca não era homérica. Era hedionda.
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A segunda dor que senti foi no ombro esquerdo. Eu virado para a mesmo lado, com ela apoiada no meu braço. Dormi retorcido. Mas o que teria acontecido antes? Será que o álcool levou a outra coisa, que levou a outra coisa? Bem que poderia ser verdade. Tento tirar meu braço debaixo daquele corpo maravilhoso. E ela abre os olhos devagar, com um muxoxo que poderia ser traduzido por "ai minha cabeça".
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- Quem é você?
- Como assim, quem sou eu? O que você tomou com a vodca?
- Peraí... Ai... A cabeça dói demais da conta!
- Somos dois, baby. Somos dois.
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Ela não fala mais nada. Levanta-se com seu shortinho inspirador muito mais cavado em função da noite de sono, e com as marcas do sutiã nas costas. O sutiã, infelizmente, estava lá, todo torto. Mas estava. Damn it! Eu me sento, passo a mão na minha cabeleira e dou um suspiro. Fecho as cortinas. Sol maldito! Você nunca acorda tarde não? Me erra, pô! Ela volta.
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- Eduardo, né?
- Isso. Dudu para os íntimos.
- Não sei se chegamos lá ainda.
- Bom, você dormiu comigo.
- Mas aconteceu alguma coisa?
- Era justamente isso que eu queria te perguntar.
- Eu não sei. Só lembro da gente subindo pra cá e te chamei pra matar a garrafa no quarto.
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Sim, a garrafa. Lembrei dela ao levantar da cama. Pisei na maledeta e quase levo um tombo espetacular. Não quero nem saber. Quero um chuveiro. Quente, apesar do calor. E pensando se aconteceu algo ali ou não. Dormimos juntos. Mas éramos estranhos! Só sei que se chama Paty, estuda geologia, é mineira, tem 20 anos e uma blusinha decotada com a inscrição "Naughty". Como é que eu durmo com uma deusa dessas e não lembro de nada?!
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Será que aconteceu algo? E se aconteceu, porque diabos que não me lembro?! Merda!
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- Merda!
- Que foi?
- Quase me queimei nessa porcaria. Tá muito quente.
- Abre o chuveiro todo que melhora!, ela gritou, sem se arriscar a ir no banheiro.
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Procurei por pistas. O zíper da minha calça estava aberto. Mas isso é normal. Desde que ganhei alguns quilos - parei de pedalar - eu não abotôo mais as minhas calças. E fica só o zíper fechado. Deitado, deve ter se aberto. Ou não. Cacete! Bem que poderia ter acontecido! Porque vou ter que conviver sem essa lembrança? Caralho!
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- Que foi?
- Nada não! Tô falando sozinho aqui.Pensei alto.
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E saí do banheiro.- E aí, vocês vão fazer o que hoje?- Ah, tomar bastante líquido e ir pra Chapada.
- Fazer o quê?
- Hello! Eu faço Geologia, lembra?
- É. Disso eu lembro.
- Por que você não vem com a gente?
- Hum... Será? Posso mesmo, não vou atrapalhar?
- Uai, se eu tô chamando!...
- Primeiro preciso de um café da manhã. Puta larica.