AMERICANA (idéias pululam!) - Foi semana passada. Uma sexta-feira que duvido haver-me outra reservada no porvir. Engraçado que a gente acorda com todo o roteiro desenhadinho de nossa doce rotina. Porém, não faz idéia do que vai ver pela frente. Ou por trás, nunca se sabe.
Era uma sexta-feira, dia 3 de março. Um dia ensolarado, que pela manhã fiquei a bater papo com os amigos atarefados no MSN (só eu fico vagabundeando na internet essas horas. O resto trabalha). Aí fui pra academia, voltei, tomei banho, me recusei a fazer a barba por pura preguiça, almocei, assisti ER, taquei uma calça jeans, uma camiseta furreca e um par de tênis de sola grossa. Botei a viola no saco e fui trabalhar.
Passei o cartão no mesmo horário de sempre, às 13h30. Eu sabia que o dia ia ser foda, mas não tanto. Eu tinha nada menos que oito matérias para entregar. Cinco para serem publicadas no sábado e três para domingo. Cheguei mandando pau (óbvio que depois daquele cafezinho lendo a pauta) e já deixei duas adiantadas na mesa do editor e ia pra rua cumprir mais pautas.
Peguei o carro do jornal, e fiquei puto com o cara do almoxarifado que tinha-o usado e deixou o tanque na reserva. Bastardo, custava abastecer, puta merda? Eu numa baita pressa: ia ao estádio fazer o treino do Rio Branco e ir ao Centro Cívico entrevistar um cabra daqui de Americana que é integrante da equipe brasileira de bobsled (estava nas Olimpíadas de Inverno em Turim). Essa entrevista era para o domingo.
Abasteci o carro, fui ao estádio e segui para a entrevista. O carro que eu usava não tinha os adesivos do jornal. Era branquinho de tudo, misto de barro. Tranquei, fechei os vidros e segui, de bloquinho e caneta na mão e perguntas na cabeça.
Entrevistei o cidadão, gente finíssima, por sinal, e meia hora depois, quando volto para pegar o carro, cadê? Furtaram o carro do jornal.
É engraçado quando isso acontece. Você se pergunta se deixou mesmo o carro ali ou não estacionou em outro lugar. E eu, que sou meio doido-esquecido, era bem provável que tivesse estacionado em outra praça. Aí o bonitão aqui liga pro jornal, com cara de trouxa-incrédulo-que-ri-de-qualquer-degraça-que-lhe-acontece. Sintoma de maníaco:
- Cara, tem como alguém vir me buscar no Centro Cívico?
- Porra, mas você não tá com o carro?
- Eu tava. Só que furtaram.
- FURTARAM?
- É. Furtaram. Cagada, hein?
- Hahaha!!! Segura aí que o fotógrafo tá indo.
O "tá indo" dele durou uma hora e meia. Aí liguei pro meu irmão e pro meu amigo Ganso pra rir da situação. Outro sintoma da mania. Ainda bem que eu tinha um livro comigo e fiquei lendo enquanto o infeliz não chegava. Crime e Castigo, Dostoiévski. Serviu-me de lição.
Volto pro jornal com cara de tacho sorridente e todo mundo na Redação com cara de quem viu um homem parir uma mula. Parecia o presidente entrando na sala. Todo mundo com cara de "o que aconteceu?".
Entreguei as chaves para o editor-chefe que, cascando o bico, me perguntou?
- Como foi?
- Não sei, foi furto. Se eu soubesse, seria roubo.
- Foda, né? Como se sentiu?
- Largo pra caralho. Mas na boa, não fiquei puto.
- Como não? Furtaram o carro!
- E daí? Não é meu... E tem seguro. E outra, se acharem, vai ter cem reais no porta-luvas. O cara vai ficar com pena da gente, da situação que tava o carro. Ele só vai furtar a gasolina, porque o carro não presta mais.
- Hahaha...!!!
Engraçado. Todo mundo me perguntava do desespero de se ter o carro furtado. Eu não tive o carro furtado. O jornal teve. Só que o pobre-diabo que guiava a porcaria era eu. Foi diferente ir na delegacia. Quando eu fiz boletins de ocorrência, foi só por causa de acidentes. Ou ia à delegacia quando era repórter de Polícia.
Voltei à Redação e fiz as outras matérias. E tinha um jogo de basquete para cobrir à noite. Onde?
- Chefe, parece piada, mas preciso de outro carro pra ir no Centro Cívico.
- Hahahaha! Não.
- Como não? Tem jogo pra cobrir!
- Puta merda. Então vai com o bandeirado.
O bandeirado é o carro com os adesivos do jornal e a indefectível inscrição
Reportagem no capô. Fui, cobri, mas não nego que ao apontar na porta do lugar para pegar o carro, me deu um friozinho na barriga...
Voltei, escrevi a crônica do jogo e faltavam então duas matérias para eu dar o fora da Redação para o aconchego do meu lar. Tinha que dormir bem, afinal, às 8 da madrugada de sábado tinha aula de francês. Tinha.
Pontualmente, às 23h30, toca o telefone. O infeliz aqui atende.
- Redação, Cleber falando.
- Cleber, é o Rubinho do DAE. Beleza?
- Maravilha. O que manda?
- Cara, aconteceu uma cagada aqui na ETE.
- Vish. O que foi?
- Um tanque de tratamento de esgoto se rompeu, arrastou uma casa... Tá mó merdeiro aqui.
- Caralho!
- Então a gente tá avisando a turma da imprensa.
- A concorrência sabe?
- Já vieram aqui.
- Merda!
- Merda você vai ver aqui.
- Agüenta aí. Tô indo.
Peguei o carro (bandeirado) e tive que buscar o fotógrafo, que já desfrutava da companhia de sua família no sofá, do outro lado da cidade. Ligamos pro pobre coitado e fui buscá-lo, dirigindo como um insano. Fomos até Santa Bárbara, onde aconteceu o rebosteio todo, e chegamos à estação.
O fato foi o seguinte: um tanque de areação (que joga oxigênio no esgoto, para tratamento) de 60 metros de comprimento por 18 de largura e seis de altura se rompeu (engraçado que o lugar não estava fedendo. Foi feder depois, com o raiar do sol). E como fica num elevado, mais de 6,3 milhões de litros de esgoto (bosta, vai) desceram barranco abaixo, derrubaram árvores, entortou postes e arrastaram uma casa e um carro. Havia três pessoas no hospital, mas feridas sem gravidade. Ficaram em observação para evitar riscos de infecção.
Aí vai pra hospital, fala com diretor, com vítima, faz foto, faz isso, aquilo, o escambau e voltamos pra Redação à 1h45. Escrevi a matéria e a chamada (foi manchete) e fui levar o fotógrafo embora. Engraçado quando a merda não acontece com a gente. Entramos na Redação bradando aos altos pulmões: PAREM AS MÁQUINAS! TSUNAMI DE MERDA EM SANTA BÁRBARA!!
Sim, sou sarcástico no úrtimo.
Voltei, escrevi as duas últimas matéria que me restavam e fui embora. Passei o cartão às 3h30, comi um lanche (óbvio que lavei as mãos antes, apesar de não ter pegado na merda), tomei uma cervejinha (porque eu mereço) e fui-me embora.
Vocês não imaginam como minha mãe ficou contente ao ver meu par de tênis.
Até parece que fui no francês.
Literalmente, foi uma sexta-feira de merda.
Merde!